sexta-feira, 18 de julho de 2008

Marcas do individualismo?


Preocupada em resolver seu problema, muita gente cria problema para os outros sem nem se dar conta.

Na maior parte das vezes, não se trata de desinformação. As regras básicas de educação, códigos que costuram as relações com os outros e com a cidade, são conhecidas. Não jogue lixo na rua, não deixe água parada no quintal, não fure fila. Temas de campanha há décadas, assunto batido na mídia, estão no rol do por favor, obrigado, que se aprende desde cedo. Por que então fazer o errado tendo consciência disso? "A questão não é de educação ou de impunidade, é de moral, de ética. Vejo muito egocentrismo. Uma postura de que devo defender o que é meu", diz a psicóloga e professora Terezinha Joca. Em nome disso, justifica-se o próprio erro com o erro dos outros. "Transfiro a responsabilidade para aliviar a culpa". A velha história do faço porque todo mundo faz.

O Estado é um dos bodes expiatórios. É para ele que a maioria transfere o dever de resolver todas as obrigações. "Nosso conceito de cidadania é frágil. Direitos e deveres são confundidos. As obrigações não são só públicas", diz Mara Calvis, coordenadora de políticas ambientais da Secretaria de Meio Ambiente e Controle Urbano (Semam). A maneira como Fortaleza cuida do seu lixo é reflexo disso. Entulhos de construção civil e restos de poda são despejados por carroceiros em terrenos baldios e calçadas. "É baratinho, as pessoas não têm consciência de que estão promovendo a sujeira na cidade", diz Eveline de Sousa Ferreira, presidente da Empresa de Limpeza Urbana (Emlurb).

Pouca gente sabe que, mesmo em caso de entulho, a coleta domiciliar faz o recolhimento. A concessionária de limpeza é obrigada a coletar 100 litros ou 50 quilos de resíduos de cada unidade familiar. No caso de entulho, basta ensacar em embalagem resistente. Se a produção for superior ao limite recolhido, a solução é fracionar. "Colocar três vezes e não pagar por isso. As pessoas não sabem usar a coleta. Jogam na rua e alguém que resolva", lamenta Eveline. Se o cidadão quer se livrar de um sofá velho, tem que contratar uma empresa especializada, não depositá-lo no canteiro central. "Virou moda. Onde tem canteiro central, tem lixo. É irritante. No Centro, 147 garis varrem o dia inteiro. Dois metros adiante, jogam lixo no chão", diz Eveline, que antes de se tornar presidente da Emlurb, foi fiscal por 20 anos.

De tão preocupadas em resolver seu problema, as pessoas por vezes não se dão conta do transtorno que a solução encontrada causa a terceiros ou, pior, não se importam. "A dimensão do privado é tão intensa que a noção do coletivo se perde, enfraquece. Até os argumentos - 'não tinha lugar para estacionar; parei rapidinho'- são referências de seu universo particular", observa a professora Gisele Macedo, psicóloga com doutorado em trânsito. O individualismo provoca uma espécie de isolamento. Arimá Rocha, diretor da Guarda Municipal, diz que as pessoas não se sentem parte da cidade. "Quando alguém danifica o patrimônio público acha que está danificando o patrimônio do outro, de alguém que ele não conhece, de um ser abstrato, que não existe", diz.

Arimá faz questão de frisar que o vandalismo "não vem só do pobre, boa parte é filho da classe média e da elite, que acha que não precisa do espaço público porque tem o shopping". Se é para relacionar falta de educação com classe social, os ricos saem em desvantagem. "O individualismo é mais acirrado com a concentração de renda. As pessoas estão acostumadas a pagar e fazer o mundo funcionar como serviço para elas", diz a psicóloga Gislene. Falta de vontade, valores individualistas, puro descaso. Não existe uma explicação só para a falta de educação. "Mas é consenso que os valores da família e, principalmente, bons exemplos, são determinantes para mudar posturas", diz Terezinha.

Serviço
Ligue 0800 851531 para denunciar o despejo de entulho em local proibido ou para saber que empresas são cadastradas na Emlurb para o recolhimento de resíduos. Um flagrante de entulho sendo jogado em local proibido pode gerar multa de R$ 3 mil.

Mariana Toniatti - Jornal O Povo

Fonte: http://www.opovo.com.br/opovo/fortaleza/805149.html

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